A psicanálise e os dependentes de substâncias psicoativas:
Onde está o pai ?
Sérgio de Paula Ramos, Porto Alegre
Embora seja freqüente o consumo de drogas feito por pacientes em tratamento analítico, a literatura psicanalítica contemporânea sobre o tema, principalmente a publicada no International Journal of Psychoanalysis, é escassa.
O presente artigo revisa as principais contribuições psicanalíticas dos últimos 100 anos sobre dependência de drogas e justapõe suas postulações aos achados dos estudos prospectivos pertinentes.
Destaca-se, nestes pacientes, a persistência de uma relação objetal simbiotizada que os mantêm num funcionamento narcisista onde o uso de drogas é visto tanto sob o ângulo do prazer que prescinde de objeto, quanto o da falta onipotentemente controlada.
Discute-se as possíveis participações da mãe e do pai na gênese desta condição, salientando-se o comprometimento da função paterna como decisivo.
Na segunda parte, a partir de material clínico, o autor discute a compreensão psicanalítica da dependência química, destacando a relevância do comprometimento da função paterna.
Também são consideradas as indicações e contra-indicações de tratamento psicanalítico para os dependentes químicos, bem como as peculiaridades técnicas pertinentes.
A conclusão postulada é que psicanálise pode ser indicada para dependentes químicos que estejam consistentemente abstêmios, e, nesses casos, particular atenção deve ser dada ao processo de dessimbiotização, facilitado pelo resgate da função paterna.
A Psicodinâmica Da Dependência Química Segundo A Psicanálise Freudiana
Neste material sobre a dependência química será feito uma leitura psicanalítica, partindo da discussão teórica freudiana.
A visão da Teoria Psicanalítica sobre o comportamento dos adictos em narcóticos foi descrito em termos de fixação libidinal com regressão em níveis pré-genitais, orais ou mesmo mais arcaica do desenvolvimento psicossexual.
A necessidade de explicar a relação do abuso de drogas com mecanismos de defesa, controle de impulsos, perturbações afetivas e mecanismos de adaptação levou à mudança das formulações psicossexuais para formulações que salientavam a psicologia do ego.
Freqüentemente, considera-se que uma séria patologia do ego, está associada com o abuso de substância, sendo considerada como indicativa de profundas perturbações do desenvolvimento. Problemas da relação entre ego e o afeto emergem como uma área problemática fundamental.
As teorias psicodinâmicas e psicossociais têm contribuído para a identificação da problemática em questão, a dependência de drogas. Onde, o abuso de substância seria um equivalente da masturbação, uma defesa contra impulsos homossexuais ou uma manifestação de regressão oral.
As formulações psicodinâmicas recentes envolvem uma relação entre o uso de substâncias e depressores ou como um reflexo de uma perturbação das funções do ego.
Freud e o debate acerca da dependência química consideravam as toxicomanias e o alcoolismo como sucedâneos da masturbação, que, para ele, constituía o "hábito primário".
Depois, e com referência específica ao álcool, Freud afirmava, em seu estudo “O chiste e sua relação com o inconsciente (1904)”, que, sob a influência do álcool, “[...] o homem adulto passa a comportar se cada vez mais como uma criança que encontra prazer tendo à sua disposição, livremente, o curso dos seus pensamentos, sem submeter se à compulsão da lógica”
Ou seja, em 1904, Freud considerava que o alcoolismo manifestava impulsos regressivos que permitiam acreditar que o álcool, sem deixar de ser um sucedâneo, não era já, primariamente, substituto de necessidades masturbatórias adolescentes, mas sim infantis.
E, na medida em que relaciona as diferentes formas de drogadição com a satisfação de necessidades infantis primárias, Freud pode afirmava que as origens da toxicomania deviam ser procuradas na fase oral do desenvolvimento.
Para a psicanálise a regressão é como um retorno a formas anteriores do desenvolvimento do pensamento, das relações e da estruturação do comportamento. Segundo Laplanche, um processo psíquico que contenha um sentido de percurso ou de desenvolvimento designa-se por regressão um retorno em sentido inverso desde um ponto já atingido até um ponto situado antes desses.
Em conseqüência, a partir de uma perspectiva rigorosamente freudiana, a drogadição pode ser interpretada em termos de fixação oral; ou seja, os fatores desencadeadores devem localizar se nesta área de desenvolvimento da libido da pessoa em questão. É por isso que a grande contribuição de Freud neste campo relaciona se com a teoria da dinâmica da oralidade, com respeito à qual salientou aspectos fundamentais, como a intolerância à espera na satisfação do desejo, a importância da fixação, da regressão etc.
A fixação é o processo pelo qual a psicanálise define como: manifestação da experiência infantil, que se repetem dentro de um quadro patológico, ou seja, influência e a repetição das experiências passadas. O fato de a libido se ligar fortemente a pessoas ou imagos, de reproduzir determinado modo de satisfação e permanecer organizada segundo a estrutura característica de uma das suas fases evolutivas.
A fixação pode ser manifesta e real ou constituir uma virtualidade prevalecente que abre ao sujeito o caminho de uma regressão.
Auto-erotismo e a sensação de prazer em sentido amplo é característica de um comportamento sexual em que o sujeito obtém a satisfação recorrendo unicamente ao seu próprio corpo, sem objeto exterior: neste sentido, a masturbação é considerada como comportamento auto-erótico.
Segundo Freud os lábios da criança comportam-se como uma zona erógena e a satisfação desta zona erógena deve ter se associado com a necessidade de alimento.
Diríamos que os lábios da criança comportam-se como uma zona erógena, a estimulação pelo fluxo cálido de leite foi sem dúvida a origem da sensação prazerosa.
A princípio, a satisfação da zona erógena deve ter-se associado com a necessidade de alimento. A atividade sexual apóia-se primeiramente numa das funções quer serve à preservação da vida, e só depois se torna independente delas.
O auto-erotismo e o chucar. Freud aborda a questão do chucar que a criança pratica com o próprio corpo, mas ainda aponta para a ausência do chucar e a falta de reforçamento dele, que pode acarretar ao indivíduo adulto um poderoso motivo para beber e fumar.
“Nem todas as crianças praticam o chucar. É de se supor que cheguem a fazê-lo aquelas em que a significação erógena da zona labial for constitucionalmente reforçada. Persistindo essa significação, tais crianças, uma vez adultas, serão apreciadoras do beijo, tenderão a beijos perversos ou, se forem homens, terão um poderoso motivo para beber e fumar “(FREUD).
Sem maturidade para resolver os problemas, a criança chora e implora pela chuipeta ou mamadeira...
A partir do auto-erotismo o indivíduo desenvolve o narcisismo. O termo narcisismo é atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado.
No processo de drogadição o indivíduo pode apresentar certo grau de narcisismo, pois a libido objetal é dirigida para a droga que através do consumo retorna para ele, afastando-o do mundo externo, ou seja, a energia libidinal é dirigida para o ego dando margem a uma atitude que pode ser de narcisismo. A introversão da libido conduz a uma catexia do ego, o que possivelmente produz o resultado de uma perda da realidade.
Todo assunto discorrido até aqui vem apontar que a droga representa para o adicto: comida e segurança/proteção, reconduzindo o dependente químico aos estágios mais primitivos de relacionamentos. Que precisa de amor para sobreviver. E na sua fantasia, como na de criança, a demanda de amor e sinônimo de comida, já que um outro lhe trazem a mesma sensação, tão procurada de apaziguamento. É um acordo de paz. Conseguindo a preço de ouro em pó, em troca de sorver o conteúdo mágico que supõe reconstruir um paraíso perdido.
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